Dance Of Days
Entrevista por Wladimyr Cruz em 18/10/2007

ZP - Tramavirtual. O Dance of Days foi uma das bandas pioneiras em soltar suas
músicas na Internet. Lembro-me bem das campanhas do Mp3.com da época do "História Não
Tem Fim" e tal. Agora estão há meses no topo do Trama e foram a banda mais remunerada
com o novo esquema de downloads do portal. Quanto ganharam?
Nenê - Cerca de dois mil reais e alguma coisa pelo mês, tudo dividido por cinco, é claro.
ZP - Isso para quantos downloads?
Nenê - Mais de 42.000 só naquele mês.
ZP - E o que acham disso?
Nenê - Olha, eu particularmente acho bem gratificante, pois é um jeito do fã ajudar a banda
e não é ele quem paga, pois, nesse esquema da Trama, quem paga são as empresas que patrocinam o download remunerado. Para o fã não custa um centavo sequer e ele ajuda a banda que gosta a se manter na estrada. "Com Você Não Vou Ter Medo" está a sei lá quantos meses em primeiro lugar no Top 100 da Trama, o que pra gente é uma ótima referência. A Tramavirtual veio crescendo e se tornou em Internet um referencial parecido com a época gloriosa da Brasil 2000 e dos festivais São Paulo Independente, lembra? Era uma coisa totalmente referencial ao cenário independente e foi isso o que acabou acontecendo com o portal.
ZP - E como vocês relacionam isto com a vendagem de discos?
Nenê - Temos todos nossos álbuns no Tramavirtual. Isso incluindo o primeiro single, faixas raras exclusivas para net e bootlegs que nós mesmos criamos. Nunca ganhamos muito
com vendagem de disco e, o que sustentou a banda na estrada sempre foram os shows. Esse lance de colocar a música na Internet, pra qualquer um baixar a custo zero, democratizou muito a coisa e, pelo menos pra gente, facilita muito o lance de tour. "Com Você Não Vou Ter Medo", por exemplo, é uma música que não está em nenhum disco e é uma das mais pedidas e que a galera mais canta junto nos shows. Graças a Internet, isso acontece de imediato por todo o país. E isso não é inédito em nossas vidas. Já aconteceu antes com "Vitória" que foi lançada aqui no Zona Punk e ganhou como música do ano aqui mesmo antes mesmo da "Valsa de Águas Vivas" ser lançado em 2004, estando apenas na Internet.
ZP - Muita gente critica e diz que o Mp3 acabou com a indústria fonográfica e que o
mercado reduziu para as bandas graças a internet. Como vocês enxergam isso?
Nenê - Cara, eu vim de uma época em que se dizia que gravar fitas k7 em casa estava
acabando com o vinil. E, se não fossem as fitas k7 talvez eu não fosse metade do que sou hoje. Eu acho que é uma fase de mudanças e mudanças sempre assustam algumas pessoas. Com o Mp3 muito mais gente pode mostrar o seu trabalho, o que, penso eu, tende a tornar o público mais crítico, pois vai ter acesso a tudo e vai exigir mais conteúdo e qualidade das bandas. Ou seja, não basta uma gravadora pagar pra cansar uma música no ouvido das pessoas através da rádio. Isso funciona? Sim, claro que funciona e sempre vai funcionar, mas com o Mp3 o que apareceu foi simplesmente uma alternativa a esse esquema. Quem quer outra coisa agora tem onde procurar, tem acesso. Então temos música para diversos perfis, tanto para o público que é exclusivamente de rádio quanto para o público mais ligado a net. A diferença maior é
que o produtor musical brasileiro estava acostumado a um pensamento que funcionou de maneira totalitária por anos e isso faz a maioria deles enxergar a coisa apenas de um só ângulo. Eu, particularmente, não acredito que a internet interfira assim, de maneira tão brutal, no público das rádios. Acho que tem lugar para todos.
ZP - Vocês acham que não assinaram até hoje por causa disso?
Nenê - Não. Não assinamos porque ninguém quis apostar com tudo em nosso trabalho. Muita
gente sondou e depois desistiu. Mas continuamos na estrada. E, independente disso, eu me considero uma pessoa realizada por conseguir lançar meus discos, por ter uma legião de fãs fiéis e por conseguir, mesmo que de maneira modesta, viver apenas da banda em um país como o nosso.
ZP - Nem a Trama?
Nenê - Nem a Trama hahahahahahaha
ZP - E o novo disco, como vai ser lançado?
Nenê - Olha, serão 14 músicas inéditas e a resposta do público desde já está sendo ótima. Estamos a dois anos sem colocar material novo em circulação então a euforia é grande. Estamos também analisando algumas propostas de trabalho em conjunto, mas não temos nada assinado. Se não rolar vamos colocar o disco inteiro na Internet, no Trama mesmo, com a capinha para download e impressão e ir pra estrada com o lançamento antes mesmo dele sair em forma de cd. Se no final acabar sendo a gente que lance o disco novo mesmo eu pretendo retomar a Teenager In a Box com ele e com todo catálogo antigo do Dance of Days, pois com o fim da gravadora acabei ficando sem nenhum outro trabalho enquanto todo mundo da banda se arranjou como pode hahahahaha... Mas isso é só uma idéia.
ZP - O disco tem nome?
Nenê - "Insônia".
ZP - Clube da luta?
Nenê - Total hahahaha.
ZP - E o Jornal Antimidia? Como é essa história de formato digital?
Nenê - Bom, eu estou querendo me atualizar. Gosto bastante do formato tablóide, mas, devido a limitações financeiras, o jornal acabava não chegando às mãos de muita gente que
curtia o trabalho. Agora ele vai ser em formato pdf. A pessoa se inscreve em nosso grupo de emails e vai receber de forma direta e gratuita o pdf para ler em seu computador ou, se quiser, imprimir. Isso vai baratear os anúncios e vai aumentar muito o alcance do jornal.
ZP - Não vai ter formato impresso?
Nenê - É algo em que ainda estou pensando. A força maior do Antimidia eram os anúncios de gravadoras e das lojas de cds independentes. Depois da morte da Galeria do Rock (com
a administração expulsando o público que consumia) e das viradas do mercado fonográfico o número de anunciantes caiu tanto que tornou inviável a continuidade do jornal. Com o formato pdf esse problema acaba e o anunciante, além de pagar muito mais barato, vai ter a certeza de estar entrando, com permissão, diretamente dentro da caixa de emails de seu público alvo, ao invés de acabar numa folha que vire forro de vitrine ou papel higiênico. Eu amo jornal, sempre fui fanzineiro, mas acho que nesse momento está bizarro demais arriscar naquele formato e segmento. Pra não falar que vou parar, estou com a idéia de fazer um jornal de bairro por aqui, tipo jornal de tiozinho mesmo, nada a ver com rock... Mas isso como hobby e pra tirar uns trocos também. Acho que vai ser divertido.
ZP - Você citou esse lance da Galeria do Rock e lembro que vocês até tinham uma loja
lá. O que aconteceu? Ela continua funcionando, mas sem vocês, certo?
Nenê - Simples. A Galeria do Rock havia virado ponto de encontro dos emos que, quer queira quer não, movimentavam muito o comércio. Com o preconceito da velha guarda dos
dinossauros da galeria isso acabou. Os velhos não se tocavam que a coisa estava legal pra todo mundo, tanto pro público quanto pros lojistas, pras gravadoras, pros distribuidores, pois, há tempos não se via tamanha movimentação no local, o que, inclusive, chamou muito a atenção da imprensa. Começaram os ataques à molecada, a administração fazia vista grossa ou defendia quem estava errado... Era cartaz de proibido emo pra cá, gente apanhando pra lá, cartaz de é proibido parar no corredor e... conseguiram. Faliram a Galeria do Rock. Hoje você vai lá e dá vontade de sair correndo. Tornou-se um lugar morto, chato e absolutamente dispensável. E parabéns a administração.
ZP - E como você se sentiu com isso?
Nenê - Eu? Eu quero é mais que esses dinossauros hippies se fodam. Os emos continuaram se encontrando em outros lugares, fazendo o role deles e eu continuei tocando, fazendo
shows, distribuindo minha música por outros meios. Pros causadores sobraram só as moscas da galeria e os encrenqueiros. Bem feito.
ZP - Você sempre teve uma boa relação com os emos não é?
Nenê - Nunca tive nada contra. Muito pelo contrário, sempre me trataram bem e respeitaram a banda.
ZP - Mas como você se sente com essa coisa de ser chamado de pai do emo no Brasil?
Nenê - Olha cara, vou te dizer... No final de 1995, minha antiga banda de hardcore, o
Personal Choice, estava sendo brutalmente influenciada por essa cena da Jade Tree e da Doghouse, de bandas como Falling Forward, Split Lip, Endpoint, Enkindel, Walleye... Era uma época de descobertas, muito legal mesmo. Depois veio o Boy Sets Fire, Grade, Hot Water Music, Mineral... tudo isso pra gente era considerado emo na época e era totalmente respeitado pelo meio. Quando o Personal Choice acabou e eu fundei o Dance of Days em 1996, as músicas que eu apresentei tinham esse clima. Foi meio que uma seqüência. E eu acho que esse lance aconteceu no mundo inteiro. Muita gente mudou tanto nessa onda quanto na onda anterior, a do Revolution Summer e das bandas da Dischord. E ninguém falou um a. Depois veio essa onda mais recente, que foi a onda que atingiu o Brasil, do Taking Back Sunday, Thursday... todo mundo torceu o nariz mas, vejam só, essas bandas foram lançadas pela Victory Records do Earth Crisis e do Strife, não pela Crank! do Mineral e Gloria Record. Então eu acho que esse preconceito todo que emergiu aqui no Brasil não teve, desde o início, o mínimo de fundamento. E, particularmente, eu não vejo muita diferença entre muitas das bandas consideradas emo e algumas de hardcore melódico. Tem um monte de músicas do Blink e do MxPx que caberiam em bandas consideradas emo. Na verdade aqui tudo vira um pouco que uma piada devido a falta de cultura e a necessidade que as pessoas aqui tem de falar mal de tudo. Eu achei bem legal essa molecada aparecer, e hoje muitos deles cresceram e já tem suas bandas enquanto muitos dos que apontavam os dedos pra eles já saíram da cena e tem seus empregos medíocres.
ZP - Eu acho que o que incomodou muito essa galera mais do macho core foi esse
lance todo de androgenia do emo, coisa que, você sabe que influenciou diretamente.
Nenê - Eu acho isso tudo vontade enrustida de dar o rabo. Sério. Quem se incomoda é porque ver essa coisa toda deve afetar a sua masculinidade. Se não afetasse, essa galera
ignoraria tudo e continuaria na sua. O que doía mesmo neles na época era ver os shows deles com 100 pessoas no máximo no público e os festivais dessa molecadinha com 5.000 pessoas. E o engraçado é que não são só esses cores que enchem, mas também uns rockers que usam camiseta do T-Rex, do New York Dolls e do Bowie. Ah mano faça-me o favor, encrencar com a molecada porque pinta o olho??? Damned, Pistols, Misfits, Cramps e uma infinita lista de bandas que todos esses merdas adoram também fazem isso, o que prova que esses moleques para quem eles apontam o dedo tem de verdade é mais atitude rock´n´roll do que eles.
ZP - É, tem também esse lance da sexualidade...
Nenê - Tem também o lance do punk, que em sua raiz é contra qualquer tipo de preconceito. Raiz. Isso eles esquecem. E a maioria brutal da cena brasileira veio do punk.
ZP - Isto é.
Nenê - Para meu. O Dance of Days sempre foi uma banda radicalmente contra homofobia. Quando eu lancei os cds do Dominatrix o que mais me empolgou foi essa postura ser bem
explicita no trabalho das meninas. Eu acho o cúmulo você ter que conviver com esse tipo de coisa num meio em que, na teoria, as pessoas deveriam ser mais esclarecidas e deveriam ter a mente mais aberta.
ZP - Diferente das outras bandas, o Dance of Days e especificamente, você, tem uma relação mais messiânica com seus fãs. Muita gente idolatra o que você escreve, segue seu estilo de vida e defende com a vida. E foi mais ou menos isso que eu quis dizer que aconteceu com o lance do emo e da androgenia nos meios fotologers e tal. Como você se sente quanto a isso?
Nenê - Cara, eu costumo dizer que não sou exemplo pra nada, e, que se for, que seja um mau exemplo. Eu vivo minha vida para mim. Se eu começar a viver em função dos outros eu
não vivo. Acho incrível essa devoção, me enche de orgulho do meu trabalho, mas eu os
sinto mais como uma família espalhada por aí do que como seguidores e tal. Acredito muito na individualidade dessas pessoas, tanto que elas gostam de outras bandas e muitas delas gostam de umas coisas de meu trabalho e não gostam de outras. Se for pra influenciar em ter uma mente mais aberta, nesse lance de ser contra homofobia, de ter mais cultura e tal, eu acho legal. Esse é um pouco do papel do Dance of Days. Mas influenciar em tomar alguma decisão pessoal eu acho que seria demais pra mim. Não quero essa carga.
ZP - E como o resto da banda vê essa relação sendo claramente direcionada a você e
não a todos eles.
Nenê - Sinceramente eu acho que os caras não estão nem aí e que sempre entenderam muito
bem. O Dance of Days mudou dezenas de vezes de formação e eu sempre busquei ter a meu lado pessoas que entendessem a proposta da banda, do trabalho, das letras, do que eu quero representar na vida das pessoas. Geralmente quem teve esse tipo de problema de ego acabou fora da banda porque eu quero sempre ter gente a meu lado em que eu possa confiar. O Dance of Days é uma banda de rock, pessoal, confessional, e as letras falam de mim e da minha vida. Foi assim desde o princípio e é natural que as pessoas que se identificam com essa proposta tenham esse tipo de relação comigo. Eu mesmo tenho essa relação com meus ídolos.
ZP - E quais são?
Nenê - Morrisey, Nick Cave, Renato Russo, Ian Curtis... tenho vários.
ZP - Como você vê essa garotada de agora tipo Nx Zero, Strike, Fresno, fazendo
sucesso e estourando as vezes mais do que o pessoal da sua geração, como Hateen,
Dead Fish e CPM 22?
Nenê - Cara, eu acho que eles estão na hora deles, bem como as outras bandas tiveram seu
boom e continuam muito bem. Quem não abraçaria uma oportunidade de viver bem de música, de mostrar mais seu trabalho e etc.?
ZP - Mas como você vê isso sob a ótica de um vocalista de uma das maiores bandas
independentes do país, que estava aí há muito tempo antes e que não assinou?
Nenê - Eu respeito muito essas bandas. De verdade, pois sou amigo de praticamente todas
elas e muitas das mais novas começaram abrindo shows do Dance of Days. Mas não em referencial a elas e sim a um mar de bandas que surgiram do nada e estouraram (das quais algumas até já sumiram), acabei de responder em uma outra entrevista que o que diferencia muito pra mim não é esse lance de assinar ou não, porque seria hipocrisia dizer que nunca faria isso. Eu penso no Dance of Days sob a mesma ótica que separava em uma outra geração bandas como Legião Urbana e RPM, por exemplo. Todas tinham seu mérito, lotavam as casas, arrastavam multidões, mas o que eu quero pra minha vida é algo atemporal. Boas composições, melodias, sucessos de público, todo mundo faz. Até os sertanejos. O que eu quero é que o que penso e escrevo tenha significado na vida das pessoas e deixo isso claro. Talvez não seja isso que o mercado procure e talvez seja esse o motivo de ainda não termos assinado, mas o que posso dizer é que, dentro dessa proposta pela qual montei o Dance of Days, fomos fiéis desde o início e continuamos assim. E por isso nossos fãs são tão diferentes.
ZP - Você acha que, vendo por esse lado da sua figura ser o ícone messiânico da
banda, esse lance de relacionarem a sua imagem a um comportamento junkie atrapalhou
um pouco a estrada do Dance of Days?
Nenê - Primeiro eu não me considero tão junkie assim. Muito disso é lenda urbana. Coisa de gente que nunca me viu, que só ouve falar e que sempre aumenta um pouco. E depois, quem gosta de mim de verdade gosta do jeito que eu sou. Eu não vou pagar de bom moço só pra agradar ou pra vender discos. Eu sou assim, gosto de beber e de me divertir com meus amigos e também tenho minhas contas pra pagar. Quem fala tudo isso de mim não paga minhas contas. O Dance of Days continua na estrada, continuamos lançando discos, seguimos em tour e etc. Nunca deixei de fazer um show por causa do meu estilo de vida. E meu espírito não nasceu para o tédio.
ZP - Pra começar a concluir Nenê, como será o plano de tour para esse novo disco?
Nenê - Então, isso vai depender do que fecharmos. Se for tudo pra net de cara, a tour já
começa esse ano. Senão, caso a gente feche parceria com alguém, assim que o disco sair, a gente vai pra estrada. Todas as capitais, depois interior, sul, nordeste... tem bastante coisa no gatilho.
ZP - Festivais?
Nenê - Festival ainda ninguém falou com a gente. Acho difícil, pois esse ano já tocamos no Abril Pro Rock e também no Porão do Rock. Tem uns outros, mas não entraram em
contato.
ZP - Alguma mensagem final?
Nenê - Sim. Tem três músicas que vão estar no "Insônia" que já estão no Tramavirtual: "Com Você Não Vou Ter Medo" da versão do single e "Me Leva Pra Sair" e "Essa Música Me Diz
Tanto Que Nem Sei Como Não Tem Meu Nome", as duas gravadas ao vivo no Show Livre. Já
dá pra sacar um pouco do trabalho que está por vir. Queria pedir para os fãs da banda começarem a usar e incentivar o uso de download do Dance of Days no Tramavirtual ao invés de rapidshare e similares, pois assim ajudam a gente a se manter na estrada e não gastam nada com isso. "Insônia" tem que sair até o final do ano. Estarei atualizando meu fotolog diariamente com novidades do cd, da tour e de meus projetos. Acessem. O site da banda e o link para o nosso tramavirtual estão abaixo. Muito obrigado ao Zona Punk por mais esse espaço e força sempre!
Fotolog Nenê Altro - www.fotolog.com/astroboynextdoor
Site Dance of Days - www.thedanceofdays.com.br
Tramavirtual Dance of Days - www.tramavirtual.com.br/dance_of_days